Victor, a chave-mestra do paraíso Atleticano
Em 1977, o Atleticano se viu amaldiçoado.
Depois de Toninho Cerezo chutar o pênalti para cima, as portas do paraíso se fecharam ao povo preto e branco. Até pouco tempo antes, iludido pela suposta glória eterna após o título de 1971, tínhamos certeza que o paraíso estaria sempre disponível e acessível a nós. Ledo engano.
Aquele último e amaldiçoado pênalti foi alto o suficiente para bater a porta dos céus, causando a ira de santos que impediram qualquer festa alvinegra naquele recinto. Não só isso: sofreríamos o bastante para aprender que não se fecha os portões do paraíso dessa maneira.
Para abrí-los novamente, precisaríamos de um milagre. Não apenas um milagre por si só: era necessário uma ação estruturada, desenhada milimetricamente por uma chave-mestra que pudesse enfim abrir as portas do tão sonhado e saudoso paraíso atleticano. Somente um santo disfarçado de homem poderia transformar tal milagre em realidade.
Parecia impossível, é bem verdade. As décadas seguintes ao pênalti maldito causaram feridas incuráveis. Conhecemos verdadeiros demônios, por muitas vezes vestidos de juízes. Conhecemos as traves, que diziam metaforicamente que ainda faltava algo para termos a glória. Conhecemos o inferno, e tivemos que sair de lá sem nem ter curado todos os machucados da alma alvinegra.
Nosso peito clamava por libertação. Nossas preces tentavam encontrar santos que ainda nos ouvissem e tínhamos a certeza que todos já tinham desistido de nós. Mas no dia 30 de maio de 2013, quando os Atleticanos barrados às portas do paraíso choravam suas dores, uma bola ricocheteou e, a partir daquele momento, elas se escancaram novamente para nós.
Quando Victor chegou no Atlético, ainda em 2012, o seu status já era de “resolvedor”. Se o nosso problema era goleiro, o então camisa 83 veio para solucionar essa questão.
Não foi no seu primeiro ano de Galo que Victor entrou para a nossa história. O foco era naquele time de renegados, puxados por um Ronaldinho Gaúcho com sede de dar a volta por cima. As defesas do goleiro eram pouco destacadas — até porque, cá para nós, era difícil demais destacar mais do que o camisa 49.
Mais uma vez, a trave - e os juízes, é bem verdade - nos deixaram escanteados, com mais uma das cicatrizes acumuladas desde o fatídico pênalti da final de 1977. Seria mais um sinal que a maldição jamais sairia? Não dessa vez. Desenhado pelos céus, era hora de livrar do fardo da maneira mais poética — e nos pés de quem se tornaria Santo.
Até o dia 30 de maio de 2013, todos imaginavam que Ronaldinho — tal qual um meteoro — seria aquele que tiraria nossas dores. Todos imaginavam que Jô, seu fiel escudeiro, seria o responsável por colocar as bolas nas redes adversárias. Todos imaginavam que Tardelli e Bernard correriam em conjunto rumo à taça. Mas ninguém imaginava que o milagre estava um pouco mais atrás.
O impacto da bola de Riascos ao explodir no pé do Victor foi ouvido de longe. A alma dos mais de 20.000 Atleticanos presentes no Horto foi libertada de uma penúria sem fim. A alma de outros milhões, ainda nas portas do céu, foi finalmente autorizada a curtir as delícias da glória eterna.
Ainda faltavam dois confrontos, era bem verdade. Mas o que importava agora? Afinal, sabíamos que havia um Santo debaixo de nossas traves. Se Victor é por nós, quem seria contra nós?
Ninguém seria contra nós. Não mais. Não dessa vez. Ainda que precisássemos sofrer um pouco mais — para não esquecer como a caminhada da libertação é árdua, mesmo que recompensadora — , São Victor garantiria para nós a alegria de encontrar a nossa paz. A camisa 1 seria então a nossa chave-mestra para, enfim, sermos libertados.
Os 35 anos de penúria foram embora em um piscar de olhos e, desde então, o Atleticano não se permite dormir. É como se fosse um sonho acordado, uma apoteose que pode ser apenas um delírio. Não é, nobre Atleticano.
Desde o dia 30 de maio de 2013, Victor, com toda sua santidade, abriu as portas do céu alvinegro como uma verdadeira chave-mestra. Depois daquele pé esquerdo, os portões do paraíso estão para sempre abertos ao povo de alma preta e branca. Depois de Victor, a Massa tem passe livre a felicidade e Victor será para sempre o nosso libertador.
O Victor, no fim, será para sempre lembrado.
O Atleticano, enfim, poderá descansar em paz.
Obrigado por tudo, São Victor!